Desamor em Veneza
- Katia Kristina
- 15 de out. de 2016
- 11 min de leitura
Palavra do Autor:
“Existem muitas maneiras de definir nossa frágil existência muitas maneiras de dar sentido a ela, Mas são nossas lembranças que moldam seu objetivo e lhe dão contexto, Uma seleção particular de imagens, medo, amores e lamentações. Mas decidimos a importância de cada sentimento construído nossas historias pessoais, uma lembrança de cada vez.
Encontros em Veneza: Dias atuais É neste cenário mágico que veremos uma história de desamor. Em tom vermelho fogo, ela caminha sozinha seguindo a contraposto do bloco que invade as cercanias da Praça São Marcos. Uma colombina estilizada, curtinha deixando a mostra um colossal par de pernas torneadas e esguias. A meia que compõe a fantasia deixa sua pele branca aparecendo por furos propositais, estrategicamente feitos. Ela caminha a passos trôpegos.É carnaval em Veneza! Segunda noite de folia. Este carnaval tão esperado a cada ano por seus fãs e tão criticado por outros que tem seus motivos para abominar. Cada pessoa liberta neste momento os devaneios reprimidos o ano todo, a vontade de se transformar em um determinado personagem, uma celebração mítica que seduz um número infinito de visitantes.A noite Segue alta e promissora: Reluzindo stress miçangas e paetês, vem surgindo entre a fumaça colorida uma Colombina
= *Oh ela está bêbada? Mas tão bêbada que perdeu o rumo dos blocos?
Pergunta um Pierrô a ele mesmo com a voz da sua mente. Quando passou diante dele ela suspendeu um pouco a máscara e passou a mão com a luva nos olhos. Num rápido lampejo de ser prestativo ele se levanta e a ampara. Ela tem um cheiro doce de sândalos puro, como o perfume usado pelas dançarinas indianas. Inebriante e sedutor que o faz viajar em segundos a um mundo místico e colorido das noites de Mumbai que Ele conhece dos seus sonhos na misteriosa Índia. O Pierrô acha bonito a colombina morder o canto dos lábios pintados de batom vermelho que já está manchado. Ele está sentado na calçada de pernas cruzadas em sua fantasia em tons sobre tons com gola espessa em babados que vão até a altura do queixo, apoiando o rosto na palma mão, que por sua vez está apoiada pelo cotovelo na perna junto ao joelho. N outra mão segura o seu alude solitário e não desgruda dele, o Pierrô olha a Colombina passar por ele com seus passos cambaleantes sobre os saltos, sem o notar .Ele a ampara solícito e pergunta:
=Você está bem moça?
Depois pensa com as "lantejoulas de seu Pierrô":
= *Como alguém tão bêbado pode estar bem?
Ela faz que sim com a cabeça e diz num fio de voz rouca de chorar:
- Grazie Signore!
E abaixa rápida a máscara para esconder sua maquiagem borrada. Ele percebe então que ela não está bêbada, está chorando! Estava cambaleante por chorar demais e se atrapalhar com a máscara e as lágrimas, o Pierrô retira a luva da mão esquerda vira pelo avesso e oferece a moça para que ela enxugue o rosto, Ela aceita! As luvas que ela usa já estão molhadas e manchadas de maquiagem que escorreu junto com as suas lágrimas. Ele não diz nada, caminha ao lado dela em silêncio, mesmo sem saber para onde ela vai a colombina está sozinha e triste. Ela também não pergunta por que ele a segue. Caminham calados fazendo uma bonita imagem com as cores de suas fantasias que refletem nas vitrines das lojas fechadas, sob a luz do luar de fevereiro. O Pierrô sente a brisa gelada, o cheiro da maresia e pensa:
= *Estamos indo para a praia
Realmente, logo após ele avista o mar apontar, o coração dele está triste, mas aquela moça que chora e caminha de encontro ao mar lhe transmite calma. Talvez seja o perfume dela que acalma o seu ser. Uma leve aragem está soprando docemente junto às margens do píer. Por um momento ao ver aproximar o mar belo e assustador ele se sente perdido em areia, alga, fantasias e vento. Esse vento quente zune na noite e pesadamente rufla como asas ao seu ouvido. Os dois chegam as madeiras flutuantes do cais, ele continua a segui-la em silêncio, um silêncio que faz o som de seus saltos parecerem instrumentos de percussão. Ela desatraca um barco que trás escrito na proa “ Ilusão”, tira os sapatos deixa no cais sobe a bordo do barco antes de puxar a escada pergunta a Ele:
- Quer vir? Mas preciso que saibas, eu não sei se voltarei.
Ele deve dizer – Não! Afinal nem se conhecem! Seus rostos continuam escondidos pelas máscaras. São um Pierrô e uma Colombina anônimos! Desconhecidos! E todo Pierrô sabe, que a Colombina pertence ao Arlequim. Mas Ele diz:
= Sim! Posso?
- Por mim! Você quem sabe!
disse ela sacudindo os ombros. Ele então subiu a bordo, Ela vai para o leme e zarpa, em uma velocidade considerável! Ele vai para a popa e fica olhando o cais cada vez mais longe. O céu está de um azul-marinho perpétuo, na linha do horizonte a Lua irradia um colorido "dégradé" por sobre o mar, como ele gostaria que sua tristeza também ficasse lá. Ele solta os cabelos que estavam presos em um rabo de cavalo e deixa o vento alvoroçá-lo jogando-os sobre seu rosto e pede em uma oração silenciosa:
= "Vento que venta no mar! Te peço leve toda mágoa e ressentimento que paira em seu coração"...
Vira-se e olha para colombina que está no Leme, firme em seu propósito de seguir mar adentro. Vai até ela e pergunta:
= Poso ajudá-la em alguma coisa?
A colombina olha para ele e retira a máscara, o rosto que aparece, é outra máscara de tão borrado e responde:
- Sim! Acho que sim! Você pode segurar firme o leme nesta rota até que eu lave o rosto e tire essa roupa?
= Posso sim! Me explica direitinho!
- Não tem mistério! É só voce segurar o Leme e manter a 16 nós de velocidade.
= Nós? Como vejo isso?
- Calma o velocímetro lhe mostra tudo, é um Display Lcd "Computador De Bordo"
É um Audi Tt - Gol Gti - A6 quase faz tudo sozinho* você só precisa ter firmeza no timão. Olhe firme para frente e siga uma linha imaginária, o velocímetro deve continuar a 16 nós. - Já volto.
Ela o deixa e some nas escadinhas que leva ao porão. Ele fica pregado no timão. Olhos presos na linha do horizonte. Não pensa em nada! O vento em seu rosto o faz vibrar de emoção todo o resto se despedaça com a força do vento contra. O cheiro do mar, o cântico da branca espuma, o sopro da morna maré, esses doces ventos que já dispersaram muitas quimeras, muito mais que os vendavais de seus dias, o mar e as areias da praia fluem nele como os acordes de B.B. King num prenuncio de madrugada em que todos os azuis e os verdes já se foram. Agora seus sonhos são tão vagos que não encontram janelas nem portas só se deixam queimar bem antes que o sol desperte e que na musica de tantos dias e noites ele encontre violinos desafinados e descubra nela toda gama de coloração de vida rasgando estradas novas em esperança.
= *E se perguntarem por mim?. . . - Ah! Que digam que eu não existo mais.
Passam apenas 10 minutos que parecem horas. Ele sente a presença da moça e diz sem olhar para trás com toda atenção no horizonte como ela havia pedido:
= Tudo bem com você?
- Sim, obrigada! Já pode soltar o leme estou aqui.
Ele chega a se sentir leve ao soltar... Foi a primeira vez que guiou um barco, “embora não havia transito” pensa ele, e não deixa de dar um sorriso. Passa a mão pelos cabelos tentando arrumá-los e só então olha para moça... Com o rosto lavado. Ela é muito bonita! O rosto delicado, olhos muito negro de expressões tristes... Ela também soltou os cabelos que o vento parecia querer levar, Eram encaracolados, até os ombros e os caracóis bailavam ao vento. Estava vestindo uma camiseta branca larga que vez ou outra o vento brincava grudando-a em seu corpo e desenhando suas formas bonitas, continuava com as meias. Tinha um ar sensual, mas inocente e lhe disse:
- Pode ir até lá embaixo lavar-se, tem toalhas limpas no banheiro. Se quiser tirar a fantasia pode usar uma de minhas camisetas só não tem a parte de baixo.
Ele agradece e vai até o porão do barco arrumar-se, é tudo muito pequeninho, mas arrumado com classe. Vai para o banheiro, como a moça não disse para que lado fosse, a porta que ele entra é o dormitório. A cama está suspensa, na mesinha há um champanhe fechado, dentro de um balde com água, ao lado uma bandeja com dois guardanapos e duas taças limpas, no centro, um quadro de vidro com a foto da moça e um homem abraçados, mais a frente um embrulho de presente, pelo volume parece ser um relógio. Ele sai rápido a procura de outra porta, encontra! Agora sim, é o banheiro. Ele retira a máscara olha no espelho, seu rosto é uma máscara de sofrimento. Ele tem uma dor que não pode ser medicada, dor na alma. Retira a fantasia, dobra, põe em cima de um banquinho que faz parte da parede do banheiro, lava o rosto várias vezes como se quisesse mudar suas feições, enxuga, a toalha tem o cheiro da moça: suave e excitante, Ele sorri lembrando a figura daquela moça tão delicada e sensível, mas que parece muito forte no timão do barco. Abre a gaveta retira a primeira camisa que vê veste com movimentos rápidos e ajeita os cabelos com as mãos, Ele está vestindo uma cueca estilo “Underwear” que tem as pernas longas parecendo uma bermudinha colada, indispensáveis para acompanhar o ritmo das suas atividades, de maneira prática e higiênica. Usou-a pensando em oferecer uma nova opção inovadora em bem-estar e praticidade para sua fantasia, para evitar o suor, o calor excessivo e o atrito, pois suas coxas são bastante grossas e ele iria brincar o Carnaval muitos dias. Subiu com um tanto de vergonha por estar com as coxas de fora a camiseta cobre bem pouco, para ele não ficou tão grande Quanto para Ela. Quando chega ao convés fica olhando a “lua encostar-se ao mar” em silêncio. Neste momento a moça desliga os motores e o barco começa a diminuir a velocidade até parar. Ela vira-se... E entre as lágrimas solta uma imensa gargalhada e leva à mão a boca olhando para Ele.
= Que...??? - O que foi?
- Desculpa! Mas ficou muito estranho.
Ele meio sem jeito diz:
= Não tem calças nem shorts por aqui... RS...
Achando que a moça riu por suas pernas de ora parecendo estar de vestidinho... Ela pergunta ainda rindo:
- Por que voce escolheu essa camiseta?
= Foi a primeira da gaveta, eu não iria remexer suas coisas. Por que? O que tem ela?
Ao perguntar isso ele olha para a camisa que está usando e lê: “Vêm pra sua gostosa meu tarado”...
= Nossa! Meu Deus! Eu não vi isso...
Tirou rapidamente a camisa, sorrindo sem graça e ia dobra-la quando sente o olhar da moça sobre ele... Ele está só com a "Underwear” colada no corpo mostrando seus dotes, peito nu... Novamente se sentiu desnorteado, virou a camisa pelo avesso e tornou a vestir: olha para ela e fala querendo disfarçar o “mico”.
= Pronto! Agora ficou melhor... RS...
Ela balança a cabeça afirmativamente e fala:
- Tudo bem! Você gosta da Lua? Ela é linda não é?
Dizendo isto Ela se encaminha pra a proa senta no chão do convés. A Lua parece ser duas ao refletir no mar. Ele senta ao seu lado e responde suave e melancólico:
= Sim! A Lua é linda e eu a amo! É minha única confidente! Somente a ela conto meus segredos.
- Eu não conto os meus, mas mesmo assim ela Sabe.
Ficam em silêncio olhando a Lua mergulhar no mar. Uma visão única e maravilhosa, São duas luas que se encostam e vão entrando uma na outra até que fica uma só novamente e vai sumindo até não restar mais nada, só a escuridão do céu refletido no mar. Quando a Lua some, eles deitam no convés cabeças encostadas, corpos separados, em silêncio. Após uns minutos ele pergunta de repente:
= Quem é o homem com você no porta-retratos?
Ela fica calada um pouco, e responde triste:
- Meu namorado!
= Onde ele está?
- Na folia?
= Porque não estão juntos? É uma noite importante não?
- Seria! Nosso terceiro aniversário... Ele está nos braços de outra... Íamos comemorar com um passeio no canal, Como é carnaval, resolvemos fazer isso com fantasias o passeio do Arlequim e a Colombina. Eu cheguei mais cedo porque encomendei alguns músicos para tocar violino na nossa gôndola...
Ela fica calada e começa a chorar com as mãos no rosto. Ele pede:
= Não precisa continuar deixa pra lá! Não quero vê-la sofrer mais.
Ela continua:
- Quando cheguei com os músicos vi que o carro dele já estava na entrada do canal, pensei que ele talvez também tenha tido a ideia de surpreender-me. Ele não sabia como seria minha colombina, então segurei nos braços dos músicos, mudei o jeito de andar e fomos passando ao lado do carro, o vidro estava aberto... Ele estava lá dentro aos beijos e abraços com outra mulher... Outra que não era eu... Quem visse a cena acharia que era um casal apaixonado! Parei junto a janela aberta, incrédula a umas três horas atrás ele estava comigo e dizia a mim tudo que agora dizia para aquela mulher. As mesmas juras de amor. O mesmo jeito de acariciar parecia um pesadelo. Eu nada disse só ouvia e chorava baixinho. Os músicos me puxavam, notaram o que estava se passando, mas eu não conseguia sair dali nem tampouco desviar o olhar. Foi quando... Com os olhos marejados do beijo... Aquele olhar que eu conhecia bem... E amava, Ele disse:
- O que foi moça? Nunca viu um casal apaixonado namorando? Siga seu caminho, deixe-nos namorar em paz.
- E a mulher! Oh Deus! Ela era linda! Estava vestida como uma princesa com a sua roupa dourada como o mais belo ouro. Linda e dona da situação, ela falou com soberba:
*- Sai daqui vadia! Esses três ai não dão conta de você?
Meu marido a puxou e a beijou sorrindo... Eu me senti desfalecer! Os músicos me tiraram dali a força! Sai sem emitir um som se quer. Nos sentamos na beirada do canal não sei por quanto tempo, ficaram comigo até eu me sentir um pouco melhor. Não queriam receber por não haver tocado, mas era seu direito perderam seu tempo comigo. Então eles disseram que ficariam comigo até que eu fosse embora, assim fariam juz ao pagamento. Eu estava com medo de fazer o trajeto de volta e encontrá-los novamente e esperei até a hora que voce me encontrou. Quando voltei já não estavam, só havia alguém chorando copiosamente sentado rente a parede Não vi a pessoa, mas era um homem pelo timbre do choro e os soluços fortes. Misturei-me aos foliões, andando a esmo, meu mundo havia desmoronado e eu estava segurando a beira do precipício, as idéias sem nexo, sem formas, só um vazio. Foi quando resolvi adentrar o mar até que terminasse o combustível e ficar a deriva, assim não poderia voltar. Essa ideia era meu principio e fim até que encontrei um Pierrô, sua luva, sua solidariedade que me acompanhou em silêncio. Não me julgou, Não foi descortês, somente amigo. Não posso fazer o que pretendia e levar comigo alguém que foi tão solícito e sem cobranças, seria injusto.
Quando ela termina de falar ouve um soluço, pensou que ele estivesse chorando pela história dela. Então estica a mão encontrando a dela e diz triste:
- Tudo bem! Não fique assim! Vou ficar bem!
Ele responde entre lágrimas...
= Pode levar-me para um mar sem volta! Eu não me importo!
- Não se importa? Mas por quê?
Ele responde olhando as estrelas.
= A Princesa que estava com seu Arlequim... Era minha esposa...
Ela aperta a mão dele com cumplicidade e ficam assim. Deitados no chão, cabeças encostadas, mãos entrelaçadas, corpos afastados em silêncio. O mar leva o barco à deriva! Não sabem onde vão parar só que a dor é imensa! Uma dor sem analgésico possível. Dor incessante, cruel, que estraçalha o coração em minúsculas partículas dentro do peito. Estilhaçados os dois icam pensando:
* Porque? Onde foi que erraram?? * Por que o destino os uniu? * Por que tanta crueldade da vida? * Para quê essa dor compartilhada? * Mesmo que essa dor diminua, será lembrada assim que um pousar os olhos no outro. * O quê lhes espera? * Por quê? * Um Mar... Um barco... Duas pessoas e quatro amores. * Poderia ter sido evitado? .

♥FIM♥
Escrito por : (Pink Elfa- "Katia Kristina")